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  • Clara Habib

Sobre o iconoclasta que roubou o cavalo: uma crítica à performance “Eu sou eu e o cavalo não é meu”,

Atualizado: 13 de mai. de 2021


Cacau Catarina. 2011

Na Praça XV de Novembro, sob o sol escaldante do Rio de Janeiro, jaz a quase eterna estátua equestre do General Osório. Construída no final do século XIX pelo notável Rodolfo Bernardelli, a obra enquadra-se no gênero dos monumentos públicos de caráter celebrativo e mnemônico. Deste modo, a obra homenageia a “grandeza do herói militar” e relembra seus feitos, dentre eles a participação na Guerra do Paraguai, conflito marcado pelo massacre de grande número de militares e civis paraguaios e por perdas econômicas que marcaram profundamente a história do país.


Chico Fernandes não estava alheio a esta narrativa quando, no dia 17 de março, subiu no monumento nu e com um megafone, em uma performance que chamou de “Eu sou eu e o cavalo não é meu.” A ação viralizou nas redes sociais e logo foi cooptada pelos veículos de comunicação que alegavam que, dentre as palavras de ordem de Chico, estava a afirmação “só saio daqui quando todos forem vacinados”. Apesar de essas palavras não terem sido proferidas em nenhum momento pelo artista, elas são sintomáticas no que diz respeito à recepção da obra pelo público e pela mídia que tão logo percebeu sua potencialidade iconoclasta.


Se entendida em um sentido ampliado, a iconoclastia não diz respeito exclusivamente à destruição material, mas também trata de destruição simbólica, de questionamento ante uma hegemonia. Assim como, no furor popular das recentes manifestações pela redemocratização do Chile, um jovem subiu na estátua equestre do General Baquedano empunhando a bandeira da etnia Mapuche em uma crítica ao genocídio colonialista, Chico Fernandes sentou na garupa do General Osório para questionar o lugar dos nossos corpos diante do genocídio praticado pelo atual dono do cavalo brasileiro.


O corpo nu, constantemente presente na poética do artista, já é, por si só, iconoclasta. Um corpo nu que não serve à sexualidade, um corpo nu que ocupa os espaços públicos, que profana a solidez sagrada de um monumento que, disfarçado por seu inegável valor artístico, faz ode ao militarismo. Uma ode tão cara ao atual dono do cavalo que conduz nossa precária democracia à morte em uma batalha na qual a perda de vidas já é maior do que a da Guerra do Paraguai.

Assim, em uma atitude simbolicamente iconoclasta, Chico Fernandes submeteu seu próprio corpo ao calor do intocado metal que repousava tranquilo sob o sol, ao escrutínio dos espectadores e até mesmo à polícia (que ao final da performance o levou para prestar depoimento) e tomou as rédeas do cavalo, mesmo que por um breve momento.


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